Quando Dormir é Perigoso
Capítulo 1: Os Primeiros Cortes
Teresa acordou com uma leve ardência no braço direito. O quarto estava mergulhado na penumbra da manhã que se aproximava, e o silêncio reinava absoluto, exceto pelo som abafado da respiração dela. Ainda atordoada pelo sono, levantou-se lentamente, sentindo a rigidez nos músculos como se tivesse corrido uma maratona durante a noite. Coçou o braço instintivamente, mas o toque de seus dedos encontrou algo inesperado — pequenos cortes, finos como linhas de uma navalha, traçaram seu antebraço.
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Ela ficou paralisada por um momento, encarando as marcas com confusão. Não lembrava de ter se machucado, muito menos de ter tido um pesadelo. “Deve ter sido o gato”, pensou, embora já fizesse meses que não tinha mais nenhum animal de estimação. O desconforto permaneceu. Teresa sacudiu a cabeça, afastando as preocupações. Era apenas um incidente isolado. Não havia motivo para alarde.
Após tomar um banho e cobrir os cortes com gaze, Teresa seguiu para o trabalho. Os dias eram sempre iguais: escritório, papeis, e-mails intermináveis. A monotonia era quase uma benção, algo que ela controlava. Os pequenos arranhões não eram nada comparados à exaustão que sentia ao final de cada dia. Mas naquela manhã, conforme o sol subia no horizonte, ela não conseguia tirar os olhos das bandagens, o pensamento martelando sua mente. “O que aconteceu enquanto eu dormia?”
Nas semanas seguintes, a rotina de Teresa foi pontuada por novos incidentes. Toda manhã, ao acordar, surgiam novos cortes, arranhões ou pequenas marcas que ela não conseguia explicar. O terror que sentia ao encarar o espelho crescia a cada dia, mas ela manteve-se em silêncio. Não havia sentido em compartilhar aquilo. Quem acreditaria? Teresa começou a pensar se estava, de alguma forma, machucando a si mesma enquanto dormia.
Nas noites que seguiram, ela tentou controlar o próprio corpo, prendendo as mãos sob o travesseiro, utilizando luvas para dormir, mas nada funcionava. Acordava com mais marcas, e a inquietação só aumentava. Certa manhã, enquanto lavava o rosto, percebeu que o corte dessa vez estava em sua bochecha, uma linha fina e dolorida que parecia uma lâmina que acabara de tocá-la. O frio na espinha foi imediato. Teresa encarou seu reflexo por minutos, a sensação de algo errado, profundamente errado, crescendo.
Naquela noite, o sono veio a contragosto, como uma corrente que a puxava para dentro de algo inevitável. Não teve sonhos que pudesse recordar. Ou assim pensava. Quando despertou, antes mesmo de abrir os olhos, o latejar no braço esquerdo fez com que seu coração disparasse. Era mais um corte, mais profundo dessa vez, como se algo tivesse atravessado sua pele sem misericórdia.
Enquanto olhava o machucado, uma memória vaga emergiu, um flash de luz, um som distante. Um rosto? Não, não podia ser. Teresa esfregou os olhos, tentando afastar a sensação de déjà vu. As manhãs se tornavam assustadoras, e cada despertar, uma antecipação dolorosa do que poderia estar marcado em seu corpo. Ela começou a sentir um leve pânico se instalar, mas ainda assim, tentou ignorar o crescente medo.
No trabalho, Teresa se isolou mais do que o normal, seus colegas notando o distanciamento. “Está tudo bem?” um deles perguntou, a preocupação clara. Ela apenas acenou com a cabeça, escondendo o braço enfaixado sob a mesa. “Estou ótima”, respondeu, mesmo que por dentro tivesse a certeza de que algo mais profundo estava errado começasse a dominá-la.
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Capítulo 2: Os Sonhos Começam
Teresa se jogou na cama naquela noite com a mente pesada. Era difícil ignorar o que vinha acontecendo, mas ela tentou se convencer de que talvez fosse tudo fruto de uma fase ruim. Quem sabe estivesse estressada, somatizando tudo aquilo em cortes e arranhões inexplicáveis. Mas, no fundo, uma parte dela sabia que havia algo mais. Algo que ela não conseguia nomear, mas que pairava como uma sombra cada vez mais densa.
Naquela noite, no entanto, algo foi diferente. Teresa adormeceu rapidamente, o cansaço físico e mental dominando seu corpo. E dessa vez, ela sonhou. Um sonho vívido, estranho, como se estivesse assistindo à própria vida de fora. No sonho, caminhava por ruas escuras, quase desertas, com uma sensação de familiaridade perturbadora. Não estava sozinha. Sentia uma presença próxima, uma sombra que a seguia de perto. No entanto, não tinha medo, apenas uma curiosidade inquietante.
A sensação de estar sendo observada crescia conforme avançava. De repente, tudo mudou. O cenário ao redor desmoronou, como se o mundo estivesse se desfazendo. Teresa se viu em um beco, segurando algo frio e afiado em suas mãos. Uma faca. Suas mãos estavam sujas, cobertas por uma substância espessa e quente. Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, ela acordou com um sobressalto.
O coração batia forte, e o suor escorria por sua testa. Teresa permaneceu deitada, tentando se acalmar. Olhou para suas mãos tremendo, mas, para sua surpresa, não havia nada nelas. Contudo, a sensação do cabo da faca ainda estava fresca em sua memória. Ela se levantou devagar e, hesitante, caminhou até o banheiro. A luz branca e fria iluminou o espelho, revelando o rosto pálido e os olhos cansados. Ela virou o braço com cuidado, o mesmo onde sentiu a faca. Lá estava outra cicatriz, mais profunda do que as anteriores, cortando a pele como um golpe certeiro.
Dessa vez, Teresa sentiu o pânico correr por suas veias. Os sonhos estavam conectados com os ferimentos? A faca… o corte… tudo parecia tão real. Mais real do que qualquer outro pesadelo que ela já tivesse tido. Ela se sentou na beira da cama, encarando o corte com uma mistura de medo e fascinação. Não podia ser coincidência.
Na manhã seguinte, a inquietação que tomou conta dela era evidente. No trabalho, os colegas começaram a reparar em seu estado. Ela estava mais distraída, mais calada, e os pequenos cortes cobertos por gaze não passaram despercebidos. “Você precisa descansar”, sugeriu uma amiga do escritório, notando o quanto Teresa parecia exausta. Ela sorriu, forçando uma expressão de tranquilidade, mas a verdade era que o sono agora a apavorava.
Os sonhos continuaram. Noites sem descanso, onde Teresa cometia atos sombrios e brutais, sempre com uma sensação crescente de que aquilo era mais do que um simples pesadelo. Ela acordava com marcas novas, mais profundas e cada vez mais difíceis de esconder. Cada noite a levava mais fundo na escuridão. Em seus sonhos, Teresa se tornava alguém que não reconhecia. Uma versão de si mesma sem piedade, sem remorso.
As memórias dos sonhos começaram a se infiltrar na sua realidade. Ao caminhar pelas ruas da cidade, flashes de suas ações nos sonhos vinham à tona. Uma loja que parecia familiar, uma esquina que ela sabia que havia passado. E sempre, ao fundo, a presença daquela sombra. Um vulto que parecia a seguir tanto nos sonhos quanto na vida real. Seria apenas paranoia? Sua mente jogando truques em um estado de exaustão? Ela não sabia mais o que era real.
A sensação de que algo perigoso estava crescendo dentro dela aumentava. Mas ela continuava sem respostas. Teresa sabia que não poderia ignorar isso por muito mais tempo. Os sonhos estavam ficando mais intensos, e a cada manhã, o corpo dela trazia uma nova cicatriz como prova de algo que ela não queria acreditar. Havia algo de sinistro acontecendo, algo que ela não podia controlar. Mas como enfrentar um inimigo que surge apenas quando você dorme?
Capítulo 3: A Descoberta do Pesadelo
A angústia de Teresa não parava de crescer. Cada novo sonho parecia mais real, mais violento, e os cortes em seu corpo tornavam-se mais profundos e numerosos. Ela começou a temer o sono. O peso de uma noite sem descanso a transformou em uma sombra de si mesma, um reflexo pálido e ansioso. No fundo, sabia que precisava de respostas. Os sonhos não eram apenas sonhos — eles estavam começando a influenciar sua vida desperta de uma maneira aterradora.
Ela decidiu que era hora de procurar ajuda. Passou uma manhã inteira pesquisando na internet sobre distúrbios do sono, sonambulismo e tudo que pudesse explicar as cicatrizes misteriosas. Cada teoria parecia mais absurda do que a outra, mas uma delas chamou sua atenção. Algumas pessoas relatavam viver “sonhos lúcidos”, onde podiam controlar suas ações dentro do sonho. Mas, no caso de Teresa, parecia que o oposto estava acontecendo. Em vez de controlar, ela era controlada, levada a lugares e ações que ela nunca escolheria conscientemente.
Determinada a entender o que estava acontecendo, Teresa comprou um pequeno gravador. Naquela noite, o posicionou ao lado da cama, esperando que, se falasse ou se mexesse durante o sono, poderia obter alguma pista. A noite começou tranquila, mas logo as imagens familiares dos becos sombrios e das lâminas afloraram em sua mente. Ela se viu novamente com a faca nas mãos, caminhando pela escuridão com passos firmes, como se estivesse em uma missão. Desta vez, havia mais detalhes. Ela ouvia vozes, sussurros que pareciam ecoar nas paredes do beco.
Quando acordou no meio da noite, o coração disparado e o corpo banhado em suor, Teresa imediatamente olhou para o braço. O corte estava lá, mais profundo do que antes. Tremendo, ela agarrou o gravador e apertou o botão de play. No início, apenas silêncio. Mas, então, ela ouviu algo. Um som abafado. Ela própria murmurando em voz baixa. “…faca… beco…”. E, de repente, a voz ficou clara: “Eu não posso parar”.
O medo a atingiu como um soco no estômago. O que estava acontecendo com ela? Sentiu-se à beira de um colapso. A realidade estava se distorcendo, as fronteiras entre sonho e vida real desaparecendo. No entanto, o pesadelo estava apenas começando.
No dia seguinte, ela ligou a televisão enquanto se preparava para o trabalho, a mente ainda envolta no medo do que havia gravado. Foi quando viu algo que a fez congelar. A reportagem mostrava um assassinato que acontecera naquela mesma noite, no centro da cidade. A vítima, um homem sem identificação, fora encontrado em um beco, esfaqueado várias vezes. As palavras da repórter pareciam ecoar como um trovão em sua cabeça: “Um crime brutal, cometido com uma faca, em um beco isolado…”
O controle remoto escorregou de suas mãos, batendo no chão com um estalo que Teresa mal registrou. O medo a paralisou por completo. Aquele beco… a faca… não podia ser uma coincidência. O sonho que tivera na noite anterior parecia corresponder à cena do crime. O choque tomou conta dela quando se deu conta de que, de alguma forma, os sonhos que estava tendo não eram apenas visões distorcidas. Eles eram reais. Mais reais do que ela jamais poderia ter imaginado.
Ela passou o resto do dia em um estado de negação. Não podia ser possível. Ela não havia saído de casa, não havia cometido nenhum crime. Mas as coincidências eram assustadoras demais para serem ignoradas. Teresa começou a seguir os noticiários com atenção. Cada vez que via um crime que se assemelhava a algo que ela sonhara, o terror dentro dela crescia. As vítimas eram sempre desconhecidas, sempre em lugares onde ela nunca tinha ido, mas que agora pareciam tão familiares em seus sonhos.
A dúvida começou a corroê-la. Estaria realmente envolvida nesses crimes de alguma forma? Ou tudo isso era uma coincidência terrível? Teresa precisava de respostas, mas não sabia para onde ir ou em quem confiar. Como ela poderia contar a alguém que estava sonhando com assassinatos que, de alguma forma, estavam acontecendo na vida real? Ela parecia estar sendo arrastada para um pesadelo do qual não havia saída.
O próximo passo foi buscar ajuda profissional. Teresa marcou uma consulta com um especialista em distúrbios do sono. Durante a sessão, ela relatou seus sintomas com cautela, sem mencionar os assassinatos diretamente. O especialista diagnosticou um possível caso de sonambulismo severo, combinado com terrores noturnos. Mas, enquanto ele falava sobre possíveis tratamentos, a mente de Teresa estava a quilômetros de distância, presa nos becos escuros de seus sonhos.
No fundo, ela sabia que aquilo não era apenas sonambulismo. Havia algo muito mais sinistro acontecendo, algo que nenhuma explicação médica seria capaz de resolver. Naquela noite, enquanto olhava para o relógio, lutando contra o sono que a tomava, Teresa se perguntou se deveria tentar permanecer acordada para sempre. A ideia de adormecer novamente era aterradora. Mas ela sabia que o sono era inevitável. E, quando os olhos dela finalmente se fecharam, o pesadelo recomeçou.
Capítulo 4: A Sombra que Persegue
Teresa agora vivia com medo constante. O terror noturno que inicialmente parecia apenas uma anomalia física agora se transformou em uma ameaça real e tangível. As cicatrizes, os sonhos, e os crimes não eram mais coincidências que ela podia ignorar. Cada nova noite trazia não só o horror dos sonhos, mas também a antecipação angustiante do que ela poderia descobrir ao amanhecer.
Ela tentou resistir. Passou noites inteiras acordada, enchendo-se de café, navegando em sites sobre distúrbios do sono e teorias sobrenaturais. Alguns falavam de forças malignas que usavam o corpo de uma pessoa enquanto ela dormia. Outros mencionaram vidas paralelas, dimensões onde o “eu” adormecido poderia viver outra existência. Embora todas essas explicações parecessem absurdas, Teresa não conseguia descartar nenhuma. Ela estava desesperada por qualquer resposta que fizesse sentido. Mas as madrugadas em claro cobravam seu preço. Seu corpo cedia, e, inevitavelmente, ela dormia — e os sonhos retornavam.
Naquela noite, ao cair no sono, Teresa se viu novamente em uma rua deserta. O chão estava molhado, o ar pesado com a umidade e o cheiro metálico do sangue. Ela segurava a faca, como de costume, mas dessa vez, algo estava diferente. A sensação de estar sendo observada, que sempre a acompanhava, era mais forte. Olhou para os lados, mas não via ninguém. Ainda assim, a presença estava lá, sufocante, como se a espreitasse de dentro das sombras.
Ela caminhou mais adiante no sonho, chegando a um cruzamento que parecia estranhamente familiar. O beco estreito e escuro à sua direita era idêntico ao lugar que ela vira no noticiário naquela manhã. A realização de que estava no exato local do crime do dia anterior a fez parar. Teresa tentou se virar, deixar o sonho, mas seu corpo não obedecia. A faca em sua mão parecia ter vida própria, como se estivesse implorando por mais sangue.
Antes que pudesse processar a ideia, a sombra finalmente se revelou. No final do beco, uma figura se destacava da escuridão. Era um homem alto, coberto por um casaco longo que quase arrastava no chão. Ele usava um chapéu que escondia parte de seu rosto, mas os olhos brilhavam na penumbra, fixos nela. Teresa paralisou. Era ele. A presença que ela sentia a cada sonho, cada assassinato. O medo transformou suas pernas em pedra, incapaz de se mover ou reagir.
O homem começou a caminhar em sua direção. Passos lentos, deliberados, ecoando nas paredes estreitas do beco. Com cada passo, o pavor de Teresa crescia. Ela sabia, sem sombra de dúvida, que ele era responsável por tudo aquilo. Mas havia algo mais, algo que ela não compreendia completamente. Ele estava lá, mas de alguma forma, também estava nela.
Quando ele finalmente parou a poucos metros de distância, os olhos dele penetraram os dela. Era como se estivesse olhando diretamente para sua alma. “Você não pode fugir de mim”, ele disse, com uma voz tão profunda que reverberou em seu peito. “Nós somos um só.”
Teresa sentiu um arrepio gelado percorrer sua espinha. O homem estendeu a mão lentamente, e, para seu horror, ela se viu entregando a faca a ele, como se fosse a coisa mais natural a fazer. A lâmina reluziu na luz fraca, refletindo seus rostos por um breve momento. E então, ele sumiu. O beco se dissolveu em escuridão, e Teresa despertou com um grito.
O quarto estava iluminado pela luz fraca da madrugada. Ela tremia, ofegante, o suor frio escorrendo pelo corpo. Seu primeiro instinto foi verificar o braço. O corte estava lá, profundo e sangrando. Mas o que realmente a aterrorizou foi o que encontrou no chão ao lado da cama: uma faca, idêntica à dos seus sonhos.
Ela deu um salto para trás, o coração batendo descontroladamente no peito. Como aquela faca podia estar ali? Não havia maneira lógica de aquilo ter acontecido. Tentou se convencer de que estava imaginando coisas, mas a sensação de que algo terrível estava se aproximando era inegável.
Os dias seguintes foram um tormento. Teresa não conseguia escapar da presença daquele homem. Mesmo durante o dia, sentia como se estivesse por perto, sempre observando, esperando. As noites eram ainda piores. Sempre o mesmo sonho, sempre o mesmo beco, e sempre o mesmo homem que a encarava, exigindo mais.
Ela sabia que precisava de ajuda, mas como poderia explicar o que estava acontecendo? Ninguém acreditaria. Estava ficando mais difícil esconder as cicatrizes. As pessoas no trabalho começaram a murmurar sobre seu comportamento errático, o cansaço evidente em seu rosto. Mas nada disso importava mais. Teresa sabia que estava à beira de algo muito maior do que ela podia compreender. Algo que ia além de qualquer explicação racional.
Ela tentou seguir a rotina, mas o pânico estava presente a cada minuto. Em um momento de desespero, decidiu investigar por conta própria. Voltou ao beco que vira nos sonhos e no noticiário. Cada detalhe era assustadoramente familiar — os muros grafitados, as lâmpadas quebradas, o cheiro. Era como se estivesse revivendo o sonho, mas dessa vez acordada.
Quando Teresa chegou ao fim do beco, onde o homem sempre aparecia em seus sonhos, encontrou algo que a fez prender a respiração: uma pequena mancha de sangue seco no chão. Não havia dúvida. O crime havia realmente acontecido ali. E, de algum modo, ela fazia parte daquilo.
Capítulo 5: Encarando a Verdade
Teresa não conseguia mais negar. Estava profundamente conectada àqueles crimes, e o homem misterioso dos sonhos era mais real do que jamais imaginara. A descoberta da mancha de sangue no beco trouxe consigo um desespero sufocante. Ela se perguntava o que mais poderia estar escondido, o que ainda não havia percebido. Havia uma urgência dentro dela, uma necessidade desesperada de entender a verdade, mesmo que isso significasse confrontar o impensável.
Naquela noite, Teresa decidiu que não poderia continuar fugindo. Precisava enfrentar o que quer que estivesse acontecendo. Depois de uma rápida busca online, encontrou um psiquiatra especializado em distúrbios do sono e dissociação. Durante a consulta, Teresa falou sobre os sonhos, as cicatrizes, e até o homem misterioso que a perseguia. Não mencionou diretamente os crimes que vira no noticiário, mas relatou como os locais dos sonhos pareciam reais e familiares.
O psiquiatra ouviu pacientemente e sugeriu que Teresa estava possivelmente sofrendo de uma condição chamada “transtorno dissociativo de identidade”. Segundo ele, a mente de Teresa poderia estar criando uma identidade alternativa durante o sono, uma identidade capaz de ações que ela não se permitiria conscientemente. Era como se uma parte de sua psique estivesse fragmentada, e aquela “outra Teresa” estivesse agindo enquanto ela sonhava.
Embora a teoria fosse chocante, Teresa sabia que aquilo não explicava tudo. Como a faca havia aparecido ao lado de sua cama? Como ela poderia ter marcas e ferimentos que não se lembrava de ter causado? A hipótese do psiquiatra parecia razoável à primeira vista, mas não parecia capturar a estranheza sobrenatural da situação. O homem nos sonhos não era apenas uma criação da mente dela, ele era real, de alguma forma.
Mesmo assim, Teresa concordou em tentar o tratamento sugerido. O psiquiatra recomendou uma combinação de medicação e terapia, além de sugerir que ela mantivesse um diário de sonhos, documentando tudo o que pudesse lembrar assim que acordasse. Ele acreditava que, com o tempo, Teresa poderia recuperar o controle sobre suas ações, mesmo nos sonhos. Mas a cada consulta, a sombra do homem e dos crimes que ela não podia mencionar pairava sobre suas conversas.
Naquela noite, Teresa escreveu as palavras do psiquiatra em seu diário, mas não conseguiu afastar a sensação de que algo estava terrivelmente errado. O homem do sonho não era apenas um sintoma de uma mente perturbada; ele era algo mais profundo, algo que parecia muito mais sombrio e implacável do que qualquer diagnóstico clínico poderia explicar.
Ela tomou os remédios receitados, mas quando finalmente adormeceu, os pesadelos retornaram com força total. Teresa se viu novamente em uma rua deserta, a lâmina fria na mão, a respiração ofegante cortando o silêncio da noite. Mas dessa vez, havia uma diferença. Ela estava ciente de que aquilo era um sonho — ou, pelo menos, parte dela estava. Lutava para manter o controle, para não se deixar levar pelos impulsos sombrios que a dominavam em cada sonho.
De repente, ele estava lá novamente. O homem encapuzado, imóvel, observando-a com aqueles olhos brilhantes que pareciam penetrar sua alma. Teresa tentou falar, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Em vez disso, ele deu um passo à frente, e então outro. Cada passo enviava uma onda de pavor por seu corpo, mas ela sabia que precisava encarar a verdade. Precisava entender o que ele era, o que queria.
“Quem é você?”, sua voz saiu num sussurro trêmulo. A resposta dele foi rápida e gélida, como se já tivesse esperado por essa pergunta.
“Eu sou você.”
A declaração reverberou na mente de Teresa, uma afirmação tão simples, mas com um peso esmagador. O homem deu mais um passo, até que ficou perto o suficiente para que ela pudesse ver os traços escondidos pela sombra do chapéu. Seu rosto… não era apenas familiar. Era o dela. Mais envelhecido, mais sombrio, mas claramente o rosto de Teresa.
Ela sentiu uma pontada de desespero crescente. As peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar, de forma dolorosa e inescapável. O homem não era uma figura separada dela. Ele era uma extensão de quem ela era, uma parte de sua própria mente, uma versão perversa e distorcida que emergia nos sonhos para cometer os atos que ela jamais permitiria em sua vida desperta.
Ao entender essa conexão, o terror de Teresa não diminuiu. Pelo contrário, o peso da responsabilidade caiu sobre ela como um manto sufocante. Ela não podia mais negar. Tudo aquilo — os crimes, os ferimentos, a violência — era obra dela, mesmo que indiretamente. Sua mente havia encontrado uma forma de manifestar a violência reprimida, e agora estava presa em um ciclo de horror que não sabia como interromper.
Quando acordou naquela manhã, o alívio que normalmente vinha com o despertar foi substituído por um novo tipo de medo. O entendimento que conquistara no sonho não a libertara. Agora sabia que era responsável, que as mãos manchadas de sangue nos sonhos eram suas. E, enquanto olhava para as cicatrizes que marcavam seu corpo, uma nova pergunta surgiu: quanto tempo levaria até que o que ela fazia nos sonhos se manifestasse na vida real de forma irreversível?
Teresa percebeu que precisava agir rápido. O ciclo de violência e desespero estava se aproximando de um ponto crítico, e, se não encontrasse uma forma de quebrá-lo, sabia que algo terrível aconteceria. Talvez não apenas em seus sonhos.
Ela se viu, pela primeira vez, cogitando uma medida drástica. Um pensamento que, embora assustador, parecia ser a única saída: se a parte dela que cometia os crimes só existia quando ela dormia, então talvez, de alguma forma, ela tivesse que parar de dormir para sempre.
**Capítulo 6: O Preço do Sono
Teresa sabia que a ideia de parar de dormir era insana, mas ela já havia passado do ponto de pensar de forma racional. A cada noite, o medo de dormir e acordar com novas cicatrizes aumentava. Mais do que as marcas físicas, a consciência de que estava ligada aos crimes era insuportável. Ela não era mais a mesma pessoa; sua mente havia sido fragmentada, e a parte que controlava nos sonhos estava cada vez mais próxima de emergir em sua vida desperta.
Com a decisão tomada, Teresa começou a usar todos os métodos ao seu alcance para evitar o sono. Café, bebidas energéticas e até mesmo pílulas estimulantes. As primeiras noites foram relativamente fáceis; o medo a mantinha acordada, e a adrenalina fazia com que ela permanecesse alerta. No entanto, à medida que os dias se acumulavam, o corpo e a mente de Teresa começaram a ceder. Sua visão ficou turva, os pensamentos começaram a se embaralhar, e ela começou a ter lapsos de memória. Cada vez que fechava os olhos por apenas alguns segundos, imagens do homem encapuzado a invadiam, trazendo com elas o eco de seus próprios crimes.
Ela começou a se isolar, com medo de que qualquer pessoa ao seu redor pudesse perceber o quanto estava desmoronando. Evitava o trabalho com desculpas vagas, cancelou compromissos com amigos e até parou de responder mensagens. Não poderia permitir que ninguém visse o que ela estava se tornando — não poderia colocar mais ninguém em risco. O isolamento parecia ser a única forma segura de lidar com aquilo.
No quarto dia sem dormir, Teresa começou a perceber que as alucinações estavam se tornando constantes. Mesmo de olhos abertos, sombras se moviam à sua volta. O homem dos sonhos, ou talvez uma versão distorcida dele, aparecia nos cantos da visão, observando-a. Ela sabia que ele não estava realmente ali, mas a presença era tão palpável quanto durante o sono.
A mente de Teresa, exausta e à beira do colapso, começou a se fragmentar ainda mais. As conversas internas que antes pareciam simples pensamentos agora se tornaram vozes distintas, cada uma com uma opinião diferente sobre o que ela deveria fazer. Uma parte de Teresa, talvez a última fração de sanidade que ainda possuía, implorava para que ela buscasse ajuda de verdade. Mas a voz mais alta, mais insistente, era a que lhe dizia para continuar lutando sozinha, que ninguém jamais entenderia o que ela estava passando.
Na sexta noite, as alucinações se misturaram à realidade. Teresa olhou para as paredes de seu apartamento e viu palavras gravadas nelas, como se alguém tivesse riscado a tinta com uma lâmina. As palavras formavam frases desconexas, fragmentos de pensamentos obscuros: *“Você não pode fugir”, “O sangue é seu”, “Aceite quem você é”.* Ela sabia que aquilo não era real, mas a linha entre sonho e realidade estava tão embaçada que já não tinha certeza de mais nada.
Finalmente, na sétima noite sem dormir, Teresa atingiu o limite. Seu corpo estava exausto, a mente dilacerada, e a presença do homem encapuzado se tornara constante, como se estivesse ao seu lado o tempo todo, esperando que ela cedesse. O medo que antes a mantinha acordada agora parecia inútil, pois, mesmo sem dormir, ele estava ali, cada vez mais próximo. E, pior, ela não sabia mais se estava acordada ou em um sonho.
Foi então que algo inesperado aconteceu. Teresa ouviu batidas em sua porta. O som era distante, abafado, mas claramente real. Alguém estava lá fora, querendo entrar. O coração dela disparou. Ninguém vinha até seu apartamento há dias. Quem poderia ser? Ela se levantou, cambaleante, e foi até a porta, com a mão trêmula na maçaneta.
Quando a abriu, seu corpo congelou de terror. Ali, parado no corredor, estava o homem encapuzado. Mas dessa vez, ele não estava nos limites de sua mente ou nos becos de seus sonhos. Ele estava ali, fisicamente, no mundo real, à sua frente. Os olhos dele, sombrios e penetrantes, fixaram-se nos dela, e a voz que tanto a assombrava soou clara como nunca.
“Está na hora, Teresa.”
Ela recuou, o corpo enfraquecido pelo medo e pela exaustão. As palavras dele ecoaram dentro dela, como uma sentença inevitável. Teresa sabia que aquilo não podia ser real, que estava alucinando. Mas a presença dele era tão tangível, tão próxima, que o terror tomou conta.
“Você não pode escapar de mim. Eu sou você.”
Dessa vez, Teresa não resistiu. Ela sentiu as pernas fraquejarem, o corpo inteiro cedendo à exaustão total. Não havia mais como fugir, nem como manter-se acordada. Seu corpo e mente estavam destruídos. No momento em que ela desabou no chão, finalmente, o sono a tomou. Mas aquele sono não era pacífico; era o sono mais profundo e sombrio que já experimentara.
Na escuridão, ela o viu novamente, como sempre, no beco familiar. Mas dessa vez, não havia resistência. Teresa caminhou até ele, sem hesitar, com a faca em sua mão. O homem encapuzado, agora completamente revelado como uma versão distorcida de si mesma, apenas a observou, silencioso, enquanto ela se aproximava, pronta para fazer o que precisava ser feito.
Ela sabia que esse seria o último sonho. De alguma forma, aquela noite seria o fim — mas de qual forma, ela ainda não sabia.
Capítulo 7: O Último Sonho
Teresa estava no limiar entre o sono e a morte. O corpo havia cedido, mas a mente ainda resistia, presa naquele lugar onde o sonho e a realidade se fundem. No fundo, sabia que não havia mais volta. O homem encapuzado — sua sombra, sua outra metade — estava mais perto do que nunca. As ruas desertas e sombrias do sonho eram agora sua única paisagem.
Ela caminhava por aquele beco familiar, com a faca em mãos, os passos pesados como se cada movimento drenasse o pouco que restava de sua força. O homem não dizia nada. Apenas a observava com aquele olhar implacável, como se soubesse que o confronto final estava próximo.
Teresa já não sentia medo. O desespero havia se dissipado, substituído por uma aceitação fria e resoluta. A cada passo que dava, a escuridão ao redor parecia crescer, engolindo tudo. As luzes dos postes piscavam, projetando sombras grotescas nas paredes dos edifícios.
Quando finalmente ficou frente a frente com o homem, ela percebeu que algo havia mudado. A figura encapuzada não parecia mais tão ameaçadora. Na verdade, enquanto o encarava, ela se deu conta de que aquele homem nunca havia sido seu inimigo. Ele era uma parte dela, uma sombra que crescia dentro de si, alimentada por todos os traumas, medos e sentimentos reprimidos ao longo dos anos. Agora, finalmente, ela entendia.
“Por que você me persegue?” A voz de Teresa soou fraca, quase um sussurro.
O homem encapuzado permaneceu em silêncio por um momento, como se estivesse refletindo. Então, ele se aproximou lentamente, e quando falou, sua voz ecoou no vazio: “Eu sou a parte de você que você sempre quis esquecer. Eu sou o reflexo dos seus maiores medos, das suas culpas, das suas dores. Você me criou.”
Teresa piscou, surpresa. As palavras dele atingiram-na como um golpe. De repente, tudo começou a fazer sentido. Ela sempre fugira de si mesma, de seus próprios demônios. Tentara apagar as cicatrizes emocionais e os traumas de sua vida, mas essas memórias e dores haviam se manifestado de outra maneira, criando uma segunda vida — uma vida de violência e desespero — nos sonhos. E, agora, essa vida estava colidindo com a sua realidade.
“Mas eu não quero mais ser essa pessoa”, ela sussurrou, as lágrimas se acumulando nos olhos.
O homem inclinou a cabeça, observando-a com um olhar que parecia quase compassivo. “Então, aceite quem você é. Aceite suas cicatrizes. Essa é a única forma de acabar com isso.”
Teresa sentiu uma onda de entendimento percorrer seu corpo. As cicatrizes, tanto as físicas quanto as emocionais, eram parte dela. Negá-las, fugir delas, só as fortalecia. Se quisesse se libertar daquele pesadelo, precisaria confrontar e abraçar suas falhas, seus erros, seus medos.
Com uma respiração profunda, ela ergueu a faca que segurava. O peso do objeto em suas mãos parecia mais leve agora, menos ameaçador. Sabia o que precisava ser feito. Em vez de atacar o homem encapuzado, ela se voltou para si mesma. A faca, uma extensão de todo o ódio e desespero que acumulou ao longo dos anos, agora seria usada para quebrar o ciclo.
Teresa fechou os olhos por um momento, sentindo o frio da lâmina em sua pele. A lâmina tocou seu braço, exatamente sobre uma das cicatrizes mais antigas. Mas em vez de cortar, ela parou, respirando fundo. Ao abrir os olhos, o homem encapuzado ainda estava lá, mas ele não parecia mais ameaçador. Sua figura estava começando a se desvanecer, como uma sombra à luz do sol.
“O que quer que eu faça?” Ela perguntou uma última vez, sua voz agora sem medo.
“Desista do controle. Aceite o caos dentro de você.”
E, naquele instante, Teresa soube que não precisava mais lutar. Ela deixou a faca cair no chão, o som ecoando pela escuridão ao seu redor. O beco começou a desaparecer, o ambiente dos sonhos se dissolvendo lentamente à medida que a realidade voltava. O homem encapuzado deu um último passo para trás, antes de sumir por completo.
Quando Teresa abriu os olhos, estava de volta à sua cama, as cicatrizes ainda marcando sua pele, mas dessa vez, elas não pareciam mais tão aterrorizantes. Ela respirou fundo, o ar frio entrando em seus pulmões como uma nova vida. O ciclo havia sido quebrado. O homem encapuzado — sua outra versão, sua sombra — não a assombraria mais.
Ela sabia que os desafios ainda existiriam. As cicatrizes não desapareceriam, mas agora, ela as encarava com uma nova perspectiva. Elas eram parte de quem ela era, parte de sua história. Teresa se levantou da cama e caminhou até a janela, observando a cidade lá fora. O mundo parecia mais brilhante, mais vivo.
A partir daquele momento, ela prometeu a si mesma que não fugiria mais. Não haveria mais segunda vida nos sonhos, não haveria mais perseguições. Teresa havia abraçado suas cicatrizes, e com isso, havia finalmente encontrado paz.
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