Além da Morte

Capítulo 1: A Primeira Carta

Ana sentia que os dias passavam com uma lentidão desesperadora desde que Lucas havia partido. O silêncio da casa, que antes parecia sereno, agora pesava como um fardo. O tempo era preenchido por rotinas automáticas: acordar, preparar o café, sentar-se na varanda e observar o mundo lá fora, sem realmente enxergá-lo. Seis meses haviam se passado, e o vazio ao lado dela na cama nunca parecia diminuir. A dor não se tornava mais suportável, apenas mais familiar.

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Era uma tarde nublada quando ela viu algo fora do comum. Ao retornar da padaria, deparou-se com um envelope na caixa de correio. Seu nome estava escrito com uma caligrafia familiar, que fez seu coração parar por um instante. Tremendo, Ana tirou o envelope da caixa. O papel era simples, mas o que mais a perturbava era a escrita: a letra de Lucas. Cada curva e traço daquelas letras era inconfundível. Ela conhecia aquela caligrafia tão bem quanto conhecia o rosto dele.

De início, pensou que se tratava de uma brincadeira cruel. Quem faria algo assim? Quem teria o coração frio o suficiente para zombar de seu luto? Respirou fundo, tentando conter o pânico que começava a tomar conta dela. Com as mãos trêmulas, rasgou o envelope e puxou a folha de papel de dentro.

“Querida Ana,
Eu sei que isso pode te assustar, mas preciso que saiba que estou aqui. Eu vejo você todos os dias, como você se senta na varanda, como toma seu café olhando para o vazio. Eu sinto sua falta tanto quanto você sente a minha. Nunca pensei que a morte nos separaria assim, mas há algo que você precisa entender… não estou tão longe quanto você pensa.”

Ana leu e releu aquelas palavras inúmeras vezes, tentando encontrar algum sentido, tentando convencer a si mesma de que aquilo era impossível. As palavras saltavam das páginas, familiares demais para serem ignoradas, mas, ao mesmo tempo, absolutamente irreais. Sentiu-se atordoada, como se o chão estivesse se movendo sob seus pés. A ideia de que Lucas poderia estar, de alguma forma, se comunicando com ela era ao mesmo tempo reconfortante e assustadora.

Tentando afastar o medo que começava a crescer em seu peito, Ana jogou a carta em cima da mesa e se afastou. Aquilo não fazia sentido. Era impossível. Lucas estava morto. Ela o havia enterrado. Lembrava-se com clareza daquele dia terrível, do peso insuportável da dor que a sufocava enquanto o caixão descia à terra. Como então ele poderia ter escrito aquilo? Alguém deveria estar pregando uma peça horrível.

Mas quem sabia tanto sobre ela? As palavras da carta não eram apenas lembranças do passado. Lucas menciona coisas que ninguém mais poderia saber. Ele descreveu com precisão o que ela fazia todos os dias, as coisas mais banais e íntimas. O modo como ela segurava a xícara de café com as duas mãos nas manhãs mais frias. O fato de que ela não havia conseguido se desfazer do casaco de couro dele, que ainda ficava pendurado no cabideiro ao lado da porta.

As perguntas se amontoavam em sua cabeça, mas nenhuma resposta fazia sentido. Ela passou a tarde olhando fixamente para a carta, o coração oscilando entre a dor da saudade e o medo crescente de que algo muito errado estivesse acontecendo. Por um momento, quase acreditou que aquilo poderia ser verdade, que de alguma forma, Lucas ainda estivesse com ela. Mas, ao mesmo tempo, sua mente racional dizia que aquilo era impossível. Os fantasmas não escrevem cartas. A morte é definitiva, imutável.

Quando a noite caiu, Ana finalmente decidiu tentar esquecer o que havia acontecido. Guardou a carta em uma gaveta, esperançosa de que, ao acordar na manhã seguinte, tudo aquilo parecia apenas um pesadelo passageiro. Afinal, o luto podia pregar peças crueis na mente das pessoas. Talvez sua dor estivesse manifestando ilusões que ela não conseguia explicar. Tudo que precisava era de uma boa noite de sono.

Naquela noite, porém, seu sono foi perturbado por sonhos inquietantes. Ela sonhou com Lucas. Ele estava no mesmo lugar de sempre, à beira do lago onde costumavam passear nos fins de semana. Mas algo estava errado. Seu rosto, antes sereno, parecia tenso, quase desesperado. Ele tentava dizer algo, mas as palavras não saíam. Ela queria ajudá-lo, mas algo invisível a impedia de se aproximar.

Ana acordou de repente, o corpo coberto de suor frio. O sonho a deixara com uma sensação terrível de vazio, como se Lucas realmente estivesse tentando se comunicar com ela. Olhou para o relógio na mesa de cabeceira: 3:15 da manhã. O silêncio na casa era ensurdecedor. Incapaz de voltar a dormir, ela se levantou e caminhou pela casa, abraçando-se para conter o frio que sentia na pele.

A gaveta onde havia guardado a carta parecia chamá-la, como se houvesse algo ali que ainda não havia sido resolvido. Ela hesitou por um longo momento, mas acabou cedendo à curiosidade e ao medo. Quando abriu a gaveta e pegou a carta, sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Sabia que, de alguma forma, aquilo era apenas o começo.

Capítulo 2: O Retorno das Cartas

A rotina de Ana se desfez completamente depois daquela primeira carta. Ela passou os dias seguintes imersa em uma névoa de incertezas, constantemente verificando a caixa de correio. O medo e a curiosidade duelavam dentro dela, e a cada manhã, quando abria a porta, sentia o coração apertar. Por vários dias, nada apareceu, o que a fez pensar que talvez tivesse imaginado tudo. Talvez fosse realmente o luto pregando peças em sua mente.

Mas, uma semana depois, outra carta chegou.

Dessa vez, o envelope estava exatamente no mesmo lugar, a caligrafia familiar novamente chamando sua atenção. Ela hesitou, olhando para o papel como se ele pudesse explodir a qualquer momento. O peso da primeira carta ainda estava sobre seus ombros, e o sonho com Lucas ainda ecoava em sua mente. No entanto, havia algo dentro dela que a impelia a abrir aquele envelope. Talvez fosse a saudade, ou talvez a esperança irracional de que Lucas ainda estivesse ali, em algum lugar, esperando por ela.

Quando rasgou o envelope e puxou a carta, o conteúdo era diferente, mas igualmente perturbador.

“Querida Ana,
Eu sabia que você viria a abrir a carta. Sei que está confusa, com medo. Mas eu também estou. A morte não é como imaginamos, é um lugar estranho, distorcido. Eu não estou onde deveria estar. Cada dia parece igual, e a única coisa que me mantém são as lembranças de você. Eu te vejo, todos os dias, e a dor de estar tão perto e ao mesmo tempo tão distante é insuportável. Não desista de mim. Estou tentando encontrar um caminho de volta para você.”

A carta continuava com detalhes sobre a vida diária de Ana, algo que a fez estremecer. Lucas mencionava o exato momento em que ela deixou cair uma caneca de café na cozinha e como passou a tarde no sofá, sem energia para fazer qualquer outra coisa. Aquilo foi o suficiente para Ana começar a duvidar de sua sanidade. Ninguém mais estava presente nesses momentos. Ela estava sozinha. Absolutamente sozinha.

Ou talvez não estivesse.

Com o tempo, as cartas tornaram-se uma constante em sua vida. Uma a cada semana, sempre trazendo uma descrição meticulosa de suas atividades diárias, junto com mensagens de saudade e desespero. Lucas parecia preso em algum lugar que ele não conseguia entender, como se estivesse entre a vida e a morte, vendo-a, mas incapaz de alcançá-la. As palavras dele a faziam sentir uma mistura dolorosa de esperança e angústia.

Ela sabia que deveria contar a alguém, buscar ajuda para entender o que estava acontecendo. Mas, no fundo, havia uma parte de Ana que não queria. As cartas eram tudo o que ela tinha de Lucas. Mesmo que houvesse algo sinistro por trás disso, elas eram um lembrete de que, de alguma forma, ele ainda existia. E ela não estava pronta para abrir mão disso.

Com o passar das semanas, no entanto, o tom das cartas começou a mudar. A linguagem que Lucas usava se tornava cada vez mais sombria, e a descrição da vida dele após a morte era cada vez mais perturbadora. Em uma das cartas, ele mencionou uma sensação de estar sendo vigiado, como se não estivesse sozinho naquele lugar. O modo como ele descreveu o que sentia deu a Ana uma sensação incômoda, um calafrio que ela não conseguia afastar.

“Às vezes, sinto que não sou o único aqui, Ana. Há algo mais… algo que me observa, esperando. Não sei o que é, mas sinto sua presença. Eu preciso que você me ajude, preciso sair daqui. Não posso mais suportar essa escuridão.”

As palavras da carta ecoavam na mente de Ana enquanto ela tentava continuar com sua rotina. No entanto, era impossível ignorar o peso crescente que sentia no ar ao seu redor. A cada nova carta, a presença de Lucas em sua vida se tornava mais real, mas também mais opressiva. Algo nela começou a mudar, como se estivesse sendo arrastada para o mesmo lugar onde Lucas dizia estar preso.

Ela começou a notar pequenas coisas. A casa, que antes parecia vazia, agora parecia cheia de sombras, de presenças invisíveis que a faziam olhar por cima do ombro. Às vezes, sentia como se alguém estivesse observando cada movimento seu. O sentimento era intenso, mas jamais conseguia ver algo ou alguém. Só o silêncio absoluto e a sensação constante de não estar sozinha.

A dúvida corroía sua mente. Seria possível que Lucas estivesse de fato tentando se comunicar do além? E se fosse verdade? Se ele realmente estivesse preso, perdido em algum lugar que ela não podia ver? A ideia era aterradora, mas também reconfortante. Mesmo que ele estivesse em um lugar sombrio, ainda havia esperança de que pudessem se encontrar novamente.

Mas havia algo mais, algo que começava a incomodá-la. As cartas estavam se tornando diferentes. Lucas não parecia mais apenas um homem tentando voltar para sua esposa. Havia um desespero crescente, algo mais profundo, mais sombrio. Era como se ele não estivesse apenas pedindo ajuda, mas implorando por algo mais… algo que Ana ainda não conseguia compreender.

E ela começava a se perguntar se estava preparada para descobrir.

Capítulo 3: A Revelação Paranormal

O som da chuva batendo contra as janelas ecoava pela casa, preenchendo o silêncio que, por tanto tempo, havia dominado o espaço. Ana estava sentada à mesa da cozinha, encarando a última carta de Lucas. As palavras dele haviam se tornado mais perturbadoras, mais urgentes. Algo estava errado, e ela sabia disso. Mas, ao mesmo tempo, algo a puxava cada vez mais para dentro daquela escuridão que ele descrevia.

Depois de dias lutando contra o medo, Ana decidiu que não podia mais enfrentar aquilo sozinha. A decisão de buscar ajuda veio num impulso, um último grito de sanidade em meio ao caos que sua vida estava se tornando. Ela pesquisou na internet por especialistas em fenômenos paranormais, pessoas que poderiam, talvez, entender o que estava acontecendo. O nome que mais se destacava era o de um homem chamado Raul, um investigador experiente que se especializava em casos de comunicação com o além.

No fundo, Ana se sentia tola por acreditar que Raul pudesse trazer algum tipo de resposta. Ela não acreditava em fantasmas antes de tudo aquilo começar. Mas agora, sua realidade estava desmoronando. Quando ligou para ele, o tom de sua voz revelava sua hesitação.

“Você é Ana, certo? Aquela das cartas?”, Raul perguntou do outro lado da linha. Ele parecia calmo, quase indiferente, como se já tivesse ouvido dezenas de histórias semelhantes.

“Sim, sou eu”, Ana respondeu, com a voz trêmula. “Eu… não sei se você vai acreditar em mim, mas algo está acontecendo. Algo que não consigo explicar.”

Raul concordou em se encontrar com ela na tarde seguinte. Ele apareceu pontualmente, um homem de meia-idade, com cabelos grisalhos e olhos penetrantes. Ao entrar na casa, ele imediatamente começou a examinar o ambiente, como se estivesse procurando por sinais invisíveis a olho nu. Ana o observava em silêncio, nervosa, mas esperançosa de que ele pudesse esclarecer a situação.

“Você tem as cartas?” ele perguntou, interrompendo seus pensamentos. Ana entregou as cartas para Raul, que as pegou com cuidado, lendo cada uma meticulosamente. O silêncio entre eles se prolongou enquanto ele estudava as palavras de Lucas, a tensão no ar se tornando quase palpável.

Depois de um longo tempo, Raul levantou os olhos para ela.

“Essas cartas… Não são o que parecem”, ele começou, medindo suas palavras. “Eu já vi algo semelhante antes, mas é raro. Muito raro. O que você está lidando aqui pode não ser seu marido.”

Ana sentiu um arrepio percorrer sua espinha. “O que você quer dizer com isso?”

“Há forças que podem se manifestar de maneiras que não entendemos completamente. Às vezes, elas se aproveitam de nosso luto, de nossa dor. Elas se disfarçam, assumindo a forma de alguém que amamos, usando nossas memórias contra nós. Mas elas não são o que dizem ser.”

Aquelas palavras atingiram Ana como um golpe. Ela sabia que, no fundo, havia algo errado, mas ouvir isso de outra pessoa a fez confrontar a realidade de uma maneira que não esperava. Lucas não era Lucas. Ou, pelo menos, o que estava escrevendo aquelas cartas não era o homem que ela amava.

“Então… você acha que não é ele?” Ela mal conseguia terminar a frase, a voz embargada pela emoção.

Raul fez uma pausa antes de responder. “Não acho que seja ele, Ana. Pode ser algo que está tentando fazer você acreditar que é. Mas isso não significa que Lucas não esteja envolvido. Pode haver uma conexão entre ele e essa… coisa. Algo que a está levando a acreditar que ele ainda está por perto, mas para te arrastar para algo muito mais sombrio.”

Ana ficou em silêncio por um longo tempo, processando aquelas informações. A ideia de que algo maligno estava brincando com sua dor era insuportável. Mas, ao mesmo tempo, tudo parecia fazer sentido. As cartas haviam mudado. O tom havia se tornado mais sombrio, mais desesperado. Lucas, ou o que quer que estivesse se passando por ele, estava implorando para que ela o ajudasse, mas agora aquilo parecia mais uma armadilha do que um pedido sincero.

“Mas… e se eu parar de responder? E se eu ignorar?” Ana perguntou, a esperança frágil em sua voz.

“Infelizmente, não é tão simples”, Raul respondeu com uma expressão sombria. “Essas entidades, uma vez que encontram uma brecha, raramente desistem. O fato de você ter aberto as cartas já criou uma ligação entre vocês. Elas podem não precisar mais da sua permissão.”

Ana sentiu o pânico subir por seu corpo como uma onda crescente. Ela abriu a boca para falar, mas as palavras não saíam. O que Raul dizia fazia sentido de uma maneira horrível. Cada vez mais, parecia que ela havia sido puxada para uma armadilha e que qualquer movimento para sair só a afundaria mais fundo no abismo.

“Então… o que eu faço agora?” Ana finalmente conseguiu perguntar, a voz quase inaudível.

Raul olhou para ela com uma seriedade fria. “Você precisa cortar qualquer conexão com isso. Não leia mais as cartas. Não responda, não interaja de nenhuma forma. E, acima de tudo, você precisa se proteger.”

As palavras dele, embora cheias de cautela, trouxeram um pouco de conforto. Talvez ainda houvesse uma chance de se libertar daquilo. Mas, no fundo, Ana sabia que a situação já havia ido longe demais. As cartas continuariam chegando, e ela não sabia se teria força suficiente para ignorá-las.

Raul levantou-se para ir embora, deixando Ana com uma sensação estranha de alívio e medo. Ela o acompanhou até a porta, agradecendo pela ajuda, mas sabendo que o verdadeiro desafio estava apenas começando. Ao fechar a porta atrás dele, Ana olhou para a sala vazia e sentiu que, mesmo com Raul longe, ela não estava sozinha.

Algo a estava observando.

Capítulo 4: A Escuridão se Aproxima 

A recomendação de Raul ecoava constantemente na mente de Ana. “Não leia mais as cartas. Não responda, não interaja de nenhuma forma.” Ela queria segui-la, queria desesperadamente cortar aquele laço com o que quer que estivesse tentando alcançá-la. No entanto, a cada dia que passava, o impulso de verificar a caixa de correio tornava-se quase incontrolável.

Nos primeiros dias após a visita de Raul, Ana resistiu. Passava pela caixa de correio, o coração disparado, mas não a abria. No entanto, o silêncio dentro de sua casa se tornou quase insuportável. Era como se a ausência das cartas deixasse um vazio que consumia cada canto da sua vida. A saudade de Lucas, que ela antes mantinha à distância com a rotina e o passar do tempo, agora estava à flor da pele, mais intensa do que nunca.

Na manhã de uma terça-feira, quando o céu estava nublado e a atmosfera carregada de uma eletricidade inquietante, Ana finalmente cedeu. Ao abrir a porta da frente, sentiu o frio do ar tocar seu rosto, e seus olhos automaticamente se voltaram para a caixa de correio. Ela deu um passo à frente, depois outro, até que sua mão estava estendida, abrindo a pequena porta de metal.

Lá estava o envelope. Branco, simples, mas com o nome dela escrito na caligrafia que ela reconheceria em qualquer lugar.

O pânico a dominou imediatamente, e Ana tentou fechar a caixa de correio, afastar-se daquele objeto que agora parecia tão perigoso. Mas era tarde demais. As palavras de Raul retornaram com força total: “Elas podem não precisar mais da sua permissão.” E ela sabia, no fundo de sua alma, que ler ou não a carta já não fazia diferença.

Com as mãos trêmulas, Ana pegou o envelope e o abriu ali mesmo, no meio da calçada. Ela já sabia que não conseguiria resistir.

“Droga, Ana, por que você está me ignorando? Eu preciso de você. Você é a única coisa que me mantém são aqui. Por favor, não faça isso comigo. Não me deixe sozinho nesse lugar.”

A carta começou com um tom de desespero que fez o coração dela apertar. As palavras seguintes, porém, foram ainda mais perturbadoras.

“Eu sei que você encontrou alguém para tentar resolver isso. O tal do Raul. Mas ele não entende o que estamos passando. Ele não entende o nosso amor, Ana. Você precisa parar de ouvi-lo. Ele só quer nos separar. Eu sei o que ele está tentando fazer, e você não pode deixar. Por favor, você precisa confiar em mim. Você precisa vir para cá, comigo. Eu encontrei uma maneira. Está tudo preparado.”

Ana sentiu as pernas vacilarem ao ler aquelas palavras. “Você precisa vir para cá.” Lucas estava pedindo algo que ela não conseguia entender completamente, mas que a enchia de um terror indescritível. As mãos dela começaram a tremer tanto que quase deixou cair o papel. A carta continuava:

“Eu sei que isso é assustador, mas confie em mim. Eu nunca te colocaria em perigo. Eu estive sozinho por tanto tempo, e agora tenho uma chance de estarmos juntos de novo. Tudo que você precisa fazer é seguir as instruções na próxima carta. Eu estarei esperando. Sempre estarei esperando por você.”

O pânico tomou conta de Ana. As cartas agora traziam instruções, planos detalhados de como ela deveria “se juntar” a Lucas. Isso não era mais apenas uma comunicação de além-túmulo. Era algo mais profundo, mais obscuro, como se ele estivesse tentando puxá-la para um lugar do qual ela jamais poderia escapar.

Ela correu para dentro de casa, trancando a porta atrás de si, as mãos ainda tremendo. Jogou a carta sobre a mesa da cozinha e respirou fundo, tentando recobrar a calma. Mas nada parecia capaz de dissipar o terror que agora a envolvia. A presença que ela sentia em sua casa, as sombras que a seguiam, estavam se tornando cada vez mais palpáveis, mais reais.

De repente, a sala pareceu encolher ao redor dela, e a sensação de estar sendo observada tornou-se insuportável. Ela olhou ao redor, como se esperasse ver alguém ali, mas a casa estava vazia. Ou não estava?

Ela sabia que precisava de ajuda, que precisava ligar para Raul e contar sobre a nova carta, sobre as instruções. Mas uma voz dentro dela sussurrava que era inútil. Que ninguém poderia ajudá-la agora. Ela já estava profundamente envolvida, e não havia como voltar atrás.

Durante aquela noite, os pesadelos se intensificaram. Sonhou com Lucas, mas dessa vez o sonho era diferente. Ele não estava mais apenas do outro lado de uma porta, esperando por ela. Ele a chamava, estendia a mão, implorando para que ela o seguisse. Ao redor dele, uma escuridão pulsante, densa, parecia viva, pronta para engolir tudo. Ana tentava gritar, mas a voz não saía. Tentava correr, mas suas pernas não respondiam.

Acordou no meio da noite, suada, o coração disparado. Ao seu lado, no travesseiro, havia um novo envelope.

Dessa vez, Ana não abriu. Ela sabia o que aquilo significava. Lucas, ou a coisa que se passava por ele, estava ficando mais impaciente, mais audaciosa. E agora, ela sentia que não havia mais escapatória.

O som da chuva lá fora continuava, mas agora parecia um eco distante, um ruído abafado pela tensão que tomava conta de sua mente. Tudo ao seu redor parecia mais sombrio, mais pesado, e Ana percebeu, com um aperto no peito, que talvez estivesse sendo puxada para o mesmo lugar onde Lucas estava.

E o mais aterrorizante de tudo era que ela começava a se perguntar se estava disposta a resistir.

Capítulo 5: O Chamado Final 

O relógio na parede da sala marcava 3 da manhã quando Ana acordou sobressaltada novamente, o corpo coberto de suor frio. Desta vez, não foi um sonho. A presença de Lucas — ou da coisa que se passava por ele — parecia mais próxima do que nunca. O novo envelope sobre o travesseiro, ainda não aberto, irradiava uma energia que ela mal conseguia suportar. Era como se algo estivesse se aproximando, algo implacável, esperando apenas o momento certo para se revelar por completo.

Ana sabia que estava perto do limite. As cartas estavam se tornando uma obsessão e, com cada nova mensagem, ela sentia sua resistência enfraquecendo. A voz de Lucas em sua mente já não parecia distante, mas muito próxima, sussurrando, sedutora. E a pior parte era que, por mais que ela tentasse lutar, uma parte de seu coração queria acreditar. Queria desesperadamente acreditar que, de algum modo, ele estava ali, esperando por ela do outro lado.

Raul havia dito que as entidades usavam o luto como uma arma. Que aproveitavam a fraqueza emocional das pessoas para manipulá-las. Ana sabia que ele estava certo, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. O vazio que Lucas deixara era imenso, e as cartas, por mais perturbadoras que fossem, a faziam sentir que ainda havia uma conexão, algo que a mantinha próxima ao homem que ela tanto amava.

Ao longo da manhã, Ana caminhava pela casa como um fantasma, perdida em seus pensamentos, incapaz de se concentrar em qualquer coisa que não fosse o envelope à sua espera. Ela sabia que o abriria. Sabia que a resistência era inútil. E, eventualmente, ela cedeu.

Sentada na mesa da cozinha, onde tudo começou, Ana rasgou o envelope com mãos trêmulas e retirou a carta. O papel parecia mais pesado dessa vez, e as palavras, gravadas com uma urgência que ela não havia sentido antes.

“Chegou a hora, Ana. Não podemos mais adiar. Eu encontrei uma maneira de estarmos juntos novamente. Não há mais tempo a perder. Hoje à noite, à meia-noite, vá até o lago onde costumávamos ir. Siga o caminho antigo, aquele que você conhece tão bem. Quando chegar lá, você saberá o que fazer. Eu estarei esperando por você. E, por favor, Ana… não tenha medo. Eu nunca te machucaria. Estou apenas esperando para te trazer para onde eu estou. Para que possamos ser felizes de novo.”

Ana sentiu uma onda de pavor crescer dentro dela. O lago. Aquele lago tinha sido um dos lugares mais especiais para eles, um refúgio onde passaram muitos momentos juntos. Ela podia ver a imagem clara em sua mente — o reflexo da lua na água, o som suave das árvores balançando ao vento. Mas agora, a ideia de ir até lá, de obedecer ao chamado, era sufocante.

Por mais aterrorizante que fosse, algo no fundo dela se sentia atraído pelo pedido. Talvez fosse o desespero, o luto, ou apenas a vontade de encerrar tudo de uma vez por todas. Seja qual fosse a razão, Ana sabia que, à meia-noite, ela estaria naquele lago.

O dia passou lentamente, como se o tempo estivesse deliberadamente se arrastando para aumentar sua ansiedade. Ana não conseguia comer, não conseguia dormir, não conseguia pensar em nada além do que esperava naquela noite. O céu escureceu, e o silêncio da noite se tornou opressor. Às 23:30, ela pegou o casaco e saiu de casa, com as mãos frias e trêmulas ao segurar a maçaneta da porta.

O caminho até o lago era antigo e pouco usado, mas Ana conhecia cada curva, cada pedra, como se fosse parte de sua memória. A floresta ao redor estava escura, e o vento gélido soprava, fazendo os galhos estalarem acima de sua cabeça. A cada passo, ela sentia o peso do que estava prestes a acontecer, mas sua mente estava decidida. Ela precisava ver, precisava descobrir o que a aguardava no fim daquele caminho.

Quando chegou ao lago, a vista era exatamente como ela se lembrava. A água refletia o brilho pálido da lua, e o silêncio ao redor era profundo, como se o mundo inteiro estivesse prendendo a respiração. Ana parou à beira da água, sentindo o coração bater com força contra o peito.

“Lucas?”, ela sussurrou, a voz quase inaudível. “Você está aqui?”

Por um momento, tudo permaneceu quieto. Mas então, uma leve brisa soprou, e Ana sentiu uma presença atrás dela. Seu coração parou por um segundo, e ela virou-se lentamente. Lá, à margem do lago, estava ele.

Lucas.

Ele estava exatamente como ela se lembrava, os mesmos traços suaves, o sorriso que tanto amava. Mas havia algo errado. Seus olhos. Eles estavam escuros, sem vida, como se a luz que antes emanava dele tivesse sido sugada para um abismo profundo. E, no entanto, ele sorriu.

“Eu disse que te esperaria”, ele disse suavemente, estendendo a mão.

Ana deu um passo para trás, o medo subindo por seu corpo como uma corrente elétrica. Algo estava terrivelmente errado. O homem à sua frente parecia Lucas, mas ao mesmo tempo, era uma sombra do que ele um dia fora. A escuridão ao redor dele parecia se estender, envolvendo-a como um manto sufocante.

“Venha comigo”, ele sussurrou novamente, mais urgente dessa vez. “Está na hora, Ana. Venha para o meu lado. Você não precisa ter medo.”

Mas Ana estava paralisada. Tudo dentro dela gritava para que ela fugisse, mas suas pernas não respondiam. Lucas deu um passo à frente, e o ar ao redor deles parecia pulsar, carregado de uma energia maligna, como se o próprio lago estivesse vivo, esperando para arrastá-la para as profundezas.

Ana sabia que aquele momento decidiria seu destino.

Capítulo 6: A Escolha

Ana permaneceu imóvel à beira do lago, os olhos fixos no homem que se aproximava. O Lucas que ela conhecia parecia estar ali, a apenas alguns passos de distância, mas o terror que crescia dentro dela era insuportável. Algo profundo em seu ser gritava que aquilo não era seu marido. Pelo menos, não mais.

Ele estendeu a mão novamente, o sorriso no rosto era acolhedor, quase doce, mas seus olhos vazios diziam outra coisa. Uma sensação de desespero a dominava, como se toda a esperança estivesse sendo drenada da atmosfera ao seu redor. Ela sentia a pressão para ceder, para entregar-se àquele chamado que, a cada segundo, se tornava mais irresistível.

“Por que está com medo?”, Lucas perguntou, com a voz suave. “Nós podemos estar juntos de novo. Sem dor, sem separação. Apenas eu e você, como antes.”

Ana sentia as lágrimas brotarem em seus olhos. Parte dela queria desesperadamente acreditar naquelas palavras, queria que tudo fosse verdade, que o homem à sua frente fosse o Lucas que ela amava. Mas outra parte sabia que o que estava diante dela era uma ilusão, uma distorção sombria do homem que ela havia perdido.

Ela deu um passo atrás, os pés tocando a margem do lago. Sentiu a água gelada nos sapatos e o vento frio cortando seu rosto, mas não desviou o olhar.

“Isso… não é você”, sussurrou. “Você está morto, Lucas. E seja lá o que você seja agora, não é o meu marido.”

As palavras escaparam dela com mais força do que esperava, e, por um momento, a figura à sua frente pareceu hesitar. O sorriso desapareceu, e a escuridão ao redor de Lucas pareceu pulsar, como se estivesse viva, aguardando uma resposta. Seus olhos negros brilharam com uma fúria silenciosa.

“Eu fiz isso por nós, Ana”, disse ele, a voz agora cheia de algo mais profundo, mais sinistro. “Eu esperei por você, procurei uma maneira de te trazer para mim. Você não entende o que significa estarmos juntos novamente? Você não me quer de volta?”

Ana deu mais um passo atrás, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto. “Eu te amo, Lucas. Sempre vou amar. Mas o que você está pedindo… não é certo.”

O lago parecia se agitar, as águas escuras refletindo a tensão crescente entre eles. A escuridão ao redor de Lucas começou a se expandir, e Ana soube que o tempo estava acabando. Ele estava tentando puxá-la para o mesmo lugar sombrio onde ele agora residia.

Com todo o medo e tristeza que a dominavam, Ana fechou os olhos, respirou fundo e sussurrou: “Adeus, Lucas.”

Uma onda de ar gélido passou por ela, e quando abriu os olhos novamente, a figura de Lucas havia desaparecido, levando consigo a escuridão que a cercava. Tudo estava em silêncio.

Capítulo 7: O Último Bilhete

O silêncio ao redor de Ana era quase ensurdecedor. O lago, que antes parecia vivo com uma escuridão pulsante, agora estava calmo, refletindo o brilho pálido da lua no céu claro. O vento suave balançava as árvores ao redor, mas a atmosfera pesada que a acompanhava havia se dissipado. A figura de Lucas — ou o que quer que fosse — desaparecera, e com ele, a sensação opressiva de que algo estava tentando puxá-la para o outro lado.

Ana sentia seu corpo tremer. Não era apenas o frio da noite; era a adrenalina, o medo que ainda latejava dentro dela. Ela havia resistido, mas o custo emocional havia sido imenso. Tudo que ela queria agora era voltar para casa, deixar tudo aquilo para trás e nunca mais pensar naquele chamado sombrio.

Com passos lentos, quase vacilantes, ela começou a voltar pelo mesmo caminho pelo qual viera. A floresta ao redor parecia menos ameaçadora agora, embora os galhos estalando ainda a fizessem sobressaltar de vez em quando. Cada passo a afastava do lago e de qualquer vestígio de Lucas. Mas, mesmo assim, havia uma parte dela que sabia que aquele adeus não era definitivo.

Chegando em casa, Ana fechou a porta com força, trancando-a como se isso pudesse impedir que algo de sobrenatural voltasse a entrar. O peso dos eventos da noite estava começando a se dissipar, e, exausta, ela caiu no sofá, tentando processar o que acabara de acontecer.

Foi então que ela viu. Sobre a mesa de café, bem em frente a ela, estava mais um envelope. Branco, com seu nome escrito na mesma caligrafia familiar. Seu coração afundou no peito.

“Não”, ela sussurrou, balançando a cabeça. “Isso não pode estar acontecendo de novo.”

Mas, por mais que quisesse resistir, Ana sabia que tinha que abrir. Algo dentro dela, uma mistura de necessidade e desespero, a fez pegar o envelope com mãos trêmulas e rasgá-lo.

A carta dentro era mais curta que as anteriores, mas as palavras nela escritas eram como uma última facada em seu coração.

“Eu sei que você acha que tudo acabou, Ana. Que o que aconteceu no lago foi o fim. Mas não é. Você pode ter me afastado, mas eu sempre estarei esperando. O nosso amor não acaba com a morte. Ele é eterno. E, um dia, você também estará do meu lado. Quando isso acontecer, estaremos juntos novamente, como sempre deveria ter sido.”

Ana sentiu uma onda de pavor subir por sua espinha. As cartas, o lago, a presença de Lucas — tudo havia sido uma tentativa de prendê-la, de arrastá-la para aquele outro lado. E, embora ela tivesse resistido naquela noite, agora entendia que o jogo ainda não havia terminado.

Com lágrimas nos olhos, ela pegou a carta e a jogou no fogo da lareira. Assistiu enquanto as chamas a consumiam, mas mesmo com o papel virando cinzas, uma sensação inquietante permanecia.

Ela sabia que Lucas não havia desistido. E, em algum lugar, ele ainda estava esperando.

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